A esporotricose é uma doença fúngica subcutânea que afeta seres humanos e animais. Sua disseminação é de grande preocupação devido ao impacto na saúde pública. Os veterinários desempenham um papel fundamental no reconhecimento de infecções por patógenos emergentes.
Continue lendo para saber mais sobre vários aspectos importantes da epidemiologia desse fungo zoonótico, os principais achados clínicos e as opções de tratamento para mantê-lo atualizado na prática clínica.
Quando se fala em esporotricose, é importante saber que essa infecção é causada por Sporothrix spp, principalmente S. brasiliensis, S. schenckii ou S. globosa. Esses agentes patogênicos são transmitidos por:
1. Inoculação traumática por contato direto com o solo, plantas ou matéria orgânica em decomposição ou, menos frequentemente, por inalação de conídios (via clássica) ou,
2. Por meio de contato direto com exsudato de lesões cutâneas, mordidas ou arranhões de gatos infectados (via alternativa).
Os gatos são os principais hospedeiros desses patógenos. Gatos domésticos com hábitos ao ar livre ou gatos de rua (ou selvagens) podem ser infectados pelo contato direto com o fungo no ambiente. Uma vez infectado, o gato pode efetivamente disseminar o fungo para outros animais e seres humanos, o que pode desencadear um novo ciclo de transmissão e possivelmente causar um surto.
Nos gatos, a infecção por esporotricose pode se manifestar por meio de lesões cutâneas de extensão variável, sendo a face e os membros particularmente comuns. Entretanto, o espectro clínico da doença envolve infecções disseminadas com envolvimento respiratório. Isso é particularmente importante em animais co-infectados com retrovírus felino, que atuam como imunossupressores, exacerbando a gravidade e a dificuldade de controle da infecção.
Em humanos, a esporotricose geralmente se apresenta como lesões cutâneas ou linfocutâneas isoladas ou generalizadas (com uma média de 7 lesões por paciente). Ocasionalmente, pode se espalhar para os pulmões, sistema musculoesquelético ou sistema nervoso central, levando a complicações e infecção sistêmica, especialmente em indivíduos imunossuprimidos.
Até o momento, não se sabe se o S. brasiliensis pode ser transmitido diretamente entre humanos; no entanto, a transmissão de pessoa para pessoa pode ocorrer em outras espécies de fungos associadas a casos de esporotricose, portanto, não é possível descartar essa via de transmissão.
Sua disseminação é de grande preocupação devido ao impacto na saúde pública.
O problema de saúde pública: a disseminação da esporotricose associada à S. brasiliensis
O aumento dos relatos de casos e surtos de esporotricose, principalmente associados ao S. brasiliensis, tem alertado médicos, veterinários e serviços de saúde pública em todo o mundo. Embora a esporotricose zoonótica seja um problema no Brasil desde 1955, desde 2007 houve um aumento acentuado nos surtos epidêmicos de S. brasiliensis, considerando esse patógeno como endêmico.
Outros países sul-americanos começaram a registrar casos desde 2009. Argentina, Chile e Paraguai documentaram pequenos surtos, até agora isolados, mas sugerindo que o patógeno continua a se espalhar no continente.
Em 2023, os três primeiros casos de esporotricose zoonótica por S. brasiliensis foram registrados fora da América Latina, no Reino Unido. Portanto, o potencial epidêmico do S. brasiliensis é reconhecido, associado à sua infectividade, alta virulência e ao fato de que seu principal hospedeiro, o gato doméstico, tem uma população abundante que vive em estreita proximidade com os seres humanos, o que favorece a transmissão horizontal (gato para gato) e aumenta a possibilidade de infecções zoonóticas (gato para humano).
À medida que as pessoas migram para novos países acompanhadas de seus animais de estimação, existe a possibilidade de que patógenos como o S. brasiliensis se espalhem com eles. Em alguns casos, a investigação epidemiológica associada a surtos rastreou a origem da infecção até os gatos domésticos do Brasil, após sua transferência para outros países. Isso significa que, mesmo que um gato esteja infectado, é possível que ele permaneça assintomático e aparentemente saudável por longos períodos.
Do ponto de vista epidemiológico, um longo período de incubação, ou a presença de infecção assintomática, complica a detecção e o controle de possíveis surtos, pois atrasa o tratamento dos animais infectados. A detecção rápida é fundamental para reduzir a probabilidade de introdução de casos em áreas anteriormente livres.
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Esporotricose: o que procurar?
A transmissão da Sporothrix spp. é particularmente preocupante entre veterinários e outros profissionais que têm contato direto e frequente com gatos em seu dia a dia. Entretanto, os proprietários de gatos também são um grupo de risco e podem ser expostos à infecção. Esse risco é maior em áreas com alta população de felinos domésticos, onde a posse de gatos como animais de estimação é popular e, especialmente, em áreas com relatos anteriores de esporotricose por S. brasiliensis.
Os gatos com hábitos externos devem ser monitorados com frequência quanto a lesões compatíveis. Em alguns lugares, é possível solicitar testes diagnósticos para a identificação precoce de gatos infectados para tratamento imediato. A prevenção é fundamental e está diretamente ligada à via de transmissão.
Como proceder com um caso suspeito de S. brasiliensis na prática clínica veterinária?
Existem opções de tratamento de baixo custo para a S. brasiliensis, principalmente o iodeto de potássio. Esse medicamento pode ser administrado como monoterapia ou em combinação com itraconazol. Um curso prolongado desses antifúngicos geralmente é eficaz no tratamento da forma cutânea ou linfocutânea da esporotricose em pacientes humanos e gatos imunocompetentes.
Embora o itraconazol e o iodeto de potássio sejam considerados tratamentos de primeira linha em humanos e animais, há outras classes de antifúngicos disponíveis. Posaconazol, terbinafina ou anfotericina B são algumas alternativas que também podem ser usadas, dependendo do quadro clínico e do status imunológico do paciente.
Os veterinários devem aconselhar os proprietários de gatos afetados com lesões compatíveis a procurar atendimento médico especializado. Isso serve para determinar as opções de tratamento adequadas para cada caso.
O número crescente de casos e a rápida disseminação geográfica do S. brasiliensis geraram alertas de saúde pública em diferentes países. Conhecer a distribuição do patógeno e os fatores de risco para a infecção é fundamental para incluir esse patógeno entre os diagnósticos diferenciais na presença de lesões compatíveis e, assim, iniciar o tratamento precoce.
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Referências:
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